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Por causa da Vida, a morte.




Por causa da Vida, a morte.

Eu queria poder falar dos meus sentimentos no dia de hoje. Falar da indignação. Do ódio. Da revolta. Da angustia. Da desesperança por causa da morte de Marielle. Mas, eu pensei um pouco mais e percebi que a morte não fala por si. A morte foi desembocada pela vida. Vida de luta, de coragem, de conquistas e resistência. Vida de fé na dignidade.

Eu olho para a vida de Marielle e lembro das experiências das mulheres negras da minha vida.  Mulheres que gerenciam pobreza, que trabalham 12 a 14 horas por dia, que correm um mundo de sacrifícios e pelejas para que filhas e filhos tenham direito a escola, atendimento no posto de saúde, que não se envolvam com drogas. Mulheres que são empreendedoras e comerciantes, que gerenciam afetos e conflitos familiares e comunitários, mulheres que cozem roupas, que solidariza e partilha o pão de cada dia. Mulheres, que superam violências, que superam privações e descasos, mas acima de tudo mulheres que promovem vida!  

E é isso quem ela é: uma mulher que promove a vida...
E a vida, minha gente, não se conforma em ser flagelada. A vida não sossega em berço de injustiças. Marielle honrou as suas ancestrais ao assumir vozes silenciadas e o lugar legítimo de representação feminina há tanto tempo renegado. Honrou as forças antepassadas que reinventaram a trajetória de suas existências e ainda hoje vibram em nossas veias.
Na favela, ela floresceu. Na política, ela floresceu. E seus frutos são permanentes! As sementes de sua coragem serão passadas de geração em geração, em todo boca que perpetuar sua trajetória e vida e em todo coração que acolher essas sementes de esperança, crescerá em atos de justiça e verdade, sendo estas duas  os lados de um mesmo fruto.

A tentativa foi acabar com o poder que há na vida. Mas eles, os maus, esquecem que o poder não está apenas na vida do corpo, mas, na vida vivida,  na comunhão entre os pares, nos afetos cultivados, nas experiências compartilhadas, nos desabafos ouvidos, nas lágrimas enxugadas, nas resistências cotidianas e no seguir em frente.

O poder não está na morte, mas na vida participada em amor. Amor ao próximo. Amor à comunidade. Mata-se o corpo, não a vida. Esse é o tipo de saque que nenhum mal pode consumar.
E mesmo agora, respirando fundo, assimilando a tragédia em sua totalidade. Compreendendo ainda mais a responsabilidade do legado a nós deixado, eu me sinto fortalecida. As minhas descendentes saberão que continuamos a lutar por amor a elas e perpetuarão as práticas baseadas na equidade.
Desse acontecimento martírio, meu coração é embalado pelo consolo da canção “Flo Me La”[1]  da voz poderosa e militante de Nina Simone, a poetisa da luta pelos direitos civis no norte da América. 

A expressão, de origem africana, significa “Andar” ou “Andar ao Longo” e nos conduz, em ritmos típicos a não parar as passadas. É isso que farei. É isso que faremos. Continuaremos caminhando em perseverança. O caminho não se findou. A luta também não.

Até que todas sejamos livres. Porque nossas vidas importam!



[1] Consultado em : http://boscarol.com/ninasimone/pages/php/show_album.php?id=lpnewport

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